sábado, 11 de outubro de 2008

Nucha fala sobre a sua experiência em Zagreb

"Nunca vou esquecer as diferenças que há na Eurovisão"
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Foi com o tema "Sempre (há sempre alguém)" que viajou até à antiga Jugoslávia para representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção 1990. Em entrevista, Nucha fala, agora, da sua carreira, da sua participação no festival e das diferenças entre os diversos países que participaram neste concurso.
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"Sempre (há sempre alguém)" por Nucha


Cristina Baldaia sempre foi conhecida pelo seu público como Nucha. A que se deve esta opção por um nome artístico?
Não foi uma opção por nome artístico porque eu sou Nucha desde pequenina. Lá em casa todos me chamavam 'Tininha', depois 'Tinucha' e eu, como não sabia dizer 'Tinucha' abreviei e chamava-me Nucha. E pronto, fiquei sempre Nucha.

Era ainda muito nova quando começou a cantar em bares e, aos 17 anos ingressou na equipa de coros nos espectáculos de Fernando Pereira. O que significou para si esta mudança?
O Fernando Pereira foi a minha grande escola. Estas experiências fazem-nos mais versáteis a cantar e dão-nos uma preparação para cantar todos os géneros musicais. Quando eu fazia coros sabia que não podia interpretar pois tinha de acompanhar o cantor. Quando estava em bares tinha de estar a interpretar as canções dos outros, embora interpretando à minha maneira, tinha sempre de dar um bocadinho das vozes originais. O Fernando Pereira foi uma grande ajuda para me fazer crescer em palco e foi daí que adquiri o à-vontade em palco, a comunicação com o público, o olhar de frente, o estar bem disposta. Quando comecei a fazer algo para mim foi, sem dúvida, a minha identificação musical.

Em 1988 apresenta-se no Prémio Nacional da Música com o tema “Se Calhar”. Como surgiu esta proposta de lançamento numa carreira a solo?
Na altura, eu fazia publicidade em rádio e televisão e, quando estamos neste mundo, vamos estando no meio dos produtores e as pessoas vão falando. Quando um compositor qualquer fazia uma música lembrava-se de levar esta ou aquela voz. Tudo surgiu assim, naturalmente. Recebi o convite para interpretar uma música e aceitei.

No ano 1990 defendeu o tema Sempre (Há Sempre Alguém) no Festival RTP da Canção. O que significava para si a participação neste concurso?
Vou ser muito sincera. Na altura nós, os jovens, tínhamos uma aversão aos festivais porque queríamos ter carreiras a cantar em inglês, rock, e essas coisas. Então achávamos que era um bocado 'piroso' ir ao Festival da Canção e havia sempre alguma relutância em nos propormos a lá ir. No entanto, achei um 'piadão' enorme ao Jan Van Dijck, pois a forma como o convite foi feito foi extraordinária. Chamou-me ao escritório dele e tinha um violão a tocar sozinho onde ele punha a voz ao vivo e, ainda por cima meio português meio holandês. Eu confesso que não percebi nada da música e no final ele disse-me assim: "Então gosta? Quer ir ao Festival?". Eu fiquei tão embaraçada que disse "Não me parece mau mas... Olha vamos!" e realmente fui completamente às cegas para a música que ia interpretar.

A 10 de Março de 1990 venceu o Festival da Canção com o tema "Sempre (há sempre alguém)". Como se sentiu ao saber que iria representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção, em Zagreb?
Aí a coisa já era outra. Era um orgulho muito grande com um misto de responsabilidade, medo, pavor e alegria. Entrava em pânico e dizia "tirem-me daqui" depois pensava "que bom, eu vou lá e vou representar o meu país" mas depois "não, não vou conseguir". É uma coisa que não conseguimos explicar. Mas quando temos uma certa idade vamos percebendo que a nossa vida tem sempre caminhos e temos sempre de os aproveitar e isto, não deixou de ser a rampa de lançamento para um projecto meu a solo e que não foi indigno de forma alguma.

Em 1990 a Europa vivia um período de transição devido à queda do muro de Berlim, ao fim da URSS, ao ideal de uma Europa cada vez mais unida, etc. Nesse ano várias canções que participaram na Eurovisão incluíam mensagens políticas nas suas letras. Pensa que o tema que defendeu continha alguma mensagem destinada à Europa?
Não. Tinha no fundo um apelo ao amor e à paz e nós contentamo-nos com o pensamento de que há no mundo, num lado qualquer, pessoas que não têm tanto como nós. E de facto esse tema é sempre actual, tanto naquela altura como agora: "Sempre há sempre alguém que ainda não tem o tanto que temos", "Sempre há sempre alguém no canto do mundo que sonha também". No fundo é a mensagem que eu gosto de transmitir todos os dias porque o que ainda não nos cobram é sonhar. No entanto, como eu não fui a letrista e, como há uma grande diferença de quem escreve para quem canta, talvez tenha havido aquela segunda intenção... mas eu não a interpretei com esse sentimento.

Durante a estadia em Zagreb foram muitos os momentos que viveu: desde ensaios, conferências de imprensa, entrevistas, festas de recepção… Qual foi para si o momento mais marcante da sua participação neste certame?
Foi mudar de roupa, várias vezes, nos corredores do hotel para a equipa de produção da RTP decidir se realmente levava as calças com o vestido ou não. É o momento que eu jamais vou esquecer. É claro que também nunca vou esquecer a diferença que há de uns países para os outros porque realmente há uma política muito grande no meio daquilo tudo. Ali sim, ou se tem aliados e dinheiro ou não resulta. Em Zagreb, fui recebida em várias conferências de imprensa com cocktails de vários países e Portugal não organizou nada. As conferências que tive eram muito diferentes das dos outros países e aí já se notava bem o quanto somos pequeninos.

Ao fim daqueles três minutos em palco, qual foi a sua sensação?
O problema não é o fim porque o principio é que custa. É uma sensação estranhíssima. Pensamos logo que não vamos conseguir, a letra é a primeira coisa que esquecemos, não sabemos como começa, não recordamos a melodia. A boca seca, não conseguimos cantar, pedimos água e achamos que estamos roucos. Quando ouvi "Portugal, Nucha" foi uma descarga de adrenalina. A primeira frase foi assim assim e quando apanhei o ritmo então aí fui até ao fim.

Se pudesse voltar atrás, fazia tudo da mesma maneira ou mudaria algo?
Logicamente como já vivi muita coisa se calhar fazia arranjos diferentes. Fazia as coisas de outra maneira. Eu estou no futuro e a única coisa que sei é que mudava em termos de arranjos e, se calhar, fazia como nesta nova versão que vai sair no próximo CD.

A votação não foi muito boa. Acabou em 20º lugar com apenas 9 pontos. Esperava uma melhor classificação ou esse factor não era importante?
Quando fui para lá disse "não vou para ganhar, vou para participar" e nessas coisas não me iludem nem me dão a volta à cabeça. Eu passei uma infância toda à espera da vitória de Portugal na Eurovisão. Lembro-me do José Cid quando foi com "Um Grande, Grande Amor" eu escrevi no meu diário "Este ano vamos ganhar" mas não ganhamos. Lembro-me também quando foi a Adelaide Ferreira eu dizia "Esta é que é!" e também não foi. Portanto, quando chegou a minha vez eu não tinha ilusões absolutamente nenhumas. Havia o sonho de participar e de representar mas nunca com a perspectiva de sair dali vencedora.

Qual o impacto que a sua participação no Festival Eurovisão da Canção teve na sua carreira?
Não posso negar que foi a minha rampa de lançamento e ainda hoje é o meu ícone. É como começo o meu espectáculo e como o acabo se me chamam para fazer um encore. É uma música que vai ser a minha para toda a vida porque é o meu rótulo. É o meu cartão de visita e que eu fico muito feliz e tenho muito orgulho. Podia ser uma coisa que a gente não gostasse mas eu tenho muito orgulho nesta canção porque para mim a letra está actualizadíssima e agora actualizei a versão completamente e já canto mais rock.

Lançou o seu primeiro álbum, em 1992, intitulado “Tu Vais Ver” e desde aí os seus trabalhos têm vindo a ter por base vários estilos musicais. A que se deveram estas mudanças de género musical de álbum para álbum?
Cada vez que mudava de produtor mudava de estilo. As vezes é bom um artista ter uma linha musical coesa, começada e continuada exactamente da mesma maneira. Eu nunca tive essa sorte porque nunca tive ninguém a acompanhar-me para um caminho só. Acabei por nunca fazer aquilo que eu queria e só o vim a fazer quando gravei o álbum "Regresso" porque já é com os tons que eu acho que são adequados, decidi os temas que incluí e fui eu que escrevi as letras em português. O disco que eu mais gostei de fazer, além do primeiro, foi o "Tu Vais Ver" que tem músicas muito bonitas com letras da Rosa Lobato de Faria. Gostei também de gravar no Brasil o álbum "Destino" porque aí já estava um bocadinho numa onda pop-rock. A única coisa que pecou nesse álbum é que os tons, mais uma vez, não eram aqueles que eu preferia.

Em 1999 mudou radicalmente o seu visual. Mudou também a sua postura no mundo da música?
Rapei o cabelo mas não julguem que foi para mudar de visual. Foram umas extensões, das primeiras que se fizeram em Portugal, que eram tão boas que me apodreceram o cabelo e, portanto, tive de rapaz o cabelo e fazer uma descoloração. Então optamos por dizer que fiz uma mudança de visual pois não sou tão maluca para usar o cabelo comprido durante onze anos e rapá-lo assim de repente.

Percorreu Portugal de Norte a Sul, em 2006, com o espectáculo “Tributo ao Festival da Canção” ao lado de Anabela, Paulo de Carvalho, Duarte Mendes e Fernando Pereira. O que a levou a aceitar participar neste projecto que teve como principal objectivo recordar os velhos tempos do Festival da Canção?
Exactamente com esse intuito de recordar os velhos tempos do Festival da Canção. Além de ter sido muito dignificante cantar ao lado de Paulo de Carvalho, da Anabela, do Duarte Mendes, do Fernando Pereira e com orquestra do Armindo Neves. Fizemos espectáculos maravilhosos e tínhamos ensaios espectaculares. Acho que formamos uma equipa fantástica e revivi tanta coisa bonita. Foi também voltar aos palcos e ver que as pessoas não esqueceram as músicas dos festivais. Foi, no fundo, um enriquecimento a nível pessoal e mais uma aprendizagem.

Tentou participar no Festival da Canção 2007 com o tema “Agora (estou de coração partido)” de Rafael Artesero e letra de sua autoria. A RTP recusou a sua participação. O que correu mal?
Apesar de a verdade ser mesmo essa, na RTP, não disseram nitidamente que recusavam. Mandamos a maquete em Novembro e apesar de nessa altura ainda não terem convidado nenhum produtor disseram que não podíamos participar porque as regras estavam feitas e não permitiam a participação de pessoas de outras nacionalidades. Fiquei muito indignada porque a partir do momento em que estamos na União Europeia há tanto tempo isto não faz sentido. Já no meu tempo, o próprio Jan Van Dijck que era holandês participava. Portanto só sei que havia ali qualquer coisa que não batia certo. Não fiquei triste até porque eu só ia pela música pois achava que ela era muito bonita e pensava que era capaz de resultar.

Uma vez que tentou concorrer, em 2007, ao Festival da Canção, estaria disposta a regressar ao festival?
Sou apologista de que devemos dar lugar aos mais novos. Já tive o meu momento que o guardo bem no coração. Em 2007, foi um amor à primeira vista com aquela canção e de facto achei que valeria a pena partilhar. Não tenho essa obsessão porque sinto que já fiz um bocadinho de tudo e agora faço aquilo que me apetece. Se fosse convidada dependeria muito da música e da editora porque como tenho contracto com a Ovação não poderia decidir sozinha.

Ainda em 2007, lança o álbum “Regresso”, um trabalho feito em parceria com Rafael Artesero. O seu último trabalho tinha sido lançado em 1999. Estes oito anos sem gravar foram por opção própria ou por falta de cooperação das editoras discográficas?
Foi um bocadinho de tudo. Na altura começou a pirataria e a maioria das editoras começaram a ir à falência. Depois, os próprios produtores e cantores tinham de pagar as suas produções e de facto chateei-me um bocadinho com essa situação. De repente é uma humilhação muito grande passarmos de cavalo para burro quando no passado tivemos editoras a disputar para nos terem e de repente temos de pagar para fazer um disco e se calhar nem é editado. Fiquei mesmo muito desiludida e passei por uma má fase porque me chateei com a música e com tudo. É claro que o bicho ficou e depois havia a lacuna na minha vida que era o palco. Não deixei de fazer espectáculos mas faltavam coisas novas. Foi aí que me apareceu o Rafael Artesero e deu-se o "regresso" aos discos e aos palcos.

Um ano após a saída do seu último disco, qual o balanço que faz das vendas e da recepção do público ao novo álbum?
Neste momento não faço a mínima ideia. Eu nunca me preocupo com vendas. A minha maneira de ver se está a resultar bem é saber se vou à televisão e se tenho retorno das pessoas nos espectáculos. E esse retorno eu tive pois foi um ano cheio de espectáculos e essa receptividade para mim é válida. Vender já é com a editora e eu, sinceramente, ainda nem falei dessas coisas.

Recentemente afirmou num programa de televisão que iria lançar um novo trabalho onde, 18 anos depois, iria incluir, pela primeira vez em CD, o tema com que venceu o Festival da Canção 1990. A que se deve este facto?
Era uma lacuna grande na minha carreira porque se realmente o "Sempre (há sempre alguém)" foi a minha rampa de lançamento como é que eu não tenho gravado num CD com o meu nome? Agora como arranjei um jovem produtor fantástico, ele fez-me novas versões tanto do "Todos Me Querem" como do "Sempre (há sempre alguém)" e então achamos que seria muito interessante incluir no próximo álbum, não só para os fãs dos festivais mas também para todas as pessoas que gostam da música.

O que podemos esperar deste novo trabalho?
Vem dentro da linha deste último até porque já chega de mudanças. É lógico que, como não posso ferir as susceptibilidades de um público que eu fui conquistando ao longo dos anos, tenho de ter um certo cuidado em agradar a gregos e a troianos. Então vou gravando assim umas coisas que fiz no passado com umas novas roupagens. Como sempre fui rock e não me apetece sentir-me frustrada ao fazer aquilo que as pessoas pensam que vende, tenho seguido agora a linha que gosto e tenho sentido, através dos meus espectáculos, que quem gostava continua a gostar e que assim consigo captar os jovens.
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Ler mais sobre Nucha:
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Reveja aqui a actuação de Nucha no Festival Eurovisão da Canção:
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