sábado, 11 de abril de 2009

Carlos Coelho conta experiências da Eurovisão 2008

"Podem convidar-me. Estou aqui e faço canções"
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Carlos Coelho é psicólogo de profissão mas sempre gostou de música. Em 2004 e 2005, participa na final nacional da Lituânia, mas é em 2008, por Portugal, que ganha a possibilidade de ir à Eurovisão. De lá trouxe uma das melhores classificações portuguesas. Em entrevista, conta agora, como foi chegar ao Festival e os momentos passados no Festival Eurovisão da Canção 2008.

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"Senhora do Mar (negras águas)" por Vânia Fernandes

Desde cedo mostrou um grande interesse pela música. Contudo, só mais tarde optou por trabalhar nessa área. A que se deveu este facto?
Quando escolhemos um trabalho, devemos pensar em termos de empregabilidade. Sempre gostei de música, mas sabia que uma coisa era os hobbies e outra coisa era o trabalho principal. Quando andava na escola, não sabia bem o que queria ser. Quando fui para o 10º ano, andei entre artes e ciências, mas nunca pensei em fazer nada profissional na área da música, pois achava que um músico não ganhava a vida sendo apenas músico. Optei pelo curso de arquitectura, mas não gostei! Então fui para psicologia. Depois, foi já durante o curso que comecei a dedicar-me à música, porque já tinha feito coisas mais artísticas em outras áreas e só me faltava mesmo a música.

Gosta também de desenho, fotografia e de escrever.  Nestas áreas ganhou alguns prémios na sua juventude...
No desenho, sempre fui o melhor da turma da escola primária. Na escola preparatória, era aquele que desenrascava os cartazes e cenários para as festas... Sempre que havia um concurso de desenho, em Resende ou numa revista, eu concorria. Ganhei vários concursos, a nível das escolas. O primeiro foi na quarta classe, com um cartaz sobre o magusto. Entrei também num concurso de banda desenhada, da Editora Verbo, e ganhei. Venci também um concurso de fotografia, da Editora Caminho, sobre as férias. Já na escrita, havia competições das escolas, na modalidade de poesia ou de contos, a que eu normalmente concorria e ganhava alguns prémios. Quando fui para a faculdade, passei a escrever artigos científicos, na área da psicologia, ou textos que pudessem ser musicados para letras de canções.

Em 2004, começa a escrever as suas próprias canções e a ligar-se mais ao mundo da música. Como surgiu esta oportunidade?
Em 2002 ganhei uma viagem à Eurovisão, na Estónia, com tudo pago para duas pessoas. Fui com o Pedro Penim, também fã da Eurovisão. Participamos num concurso do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Estónia, que oferecia uma viagem à Estónia, com bilhete para a Eurovisão e hotel durante uma semana a quem conseguisse responder correctamente a perguntas sobre o país. Éramos os únicos portugueses lá. Achei muita piada estar na Eurovisão e ainda mais sem pagar nada. Então pensei: “Como é que eu posso vir de graça à Eurovisão?” Cantando, que não seria uma boa opção, ou escrevendo uma canção... E foi aí que comecei a escrever canções. Curiosamente, a primeira canção que escrevi acabou, feliz ou infelizmente, num festival na Lituânia. Por isso, não posso dizer que tenho canções na gaveta das quais tenho vergonha porque estão no Youtube para toda a gente ver.

Nesse festival da Lituânia, em 2004, concorre com o tema "Amor (te quiero aquí)" interpretado por Aistė Pilvelytė. Porquê um país que não o seu?
Enviei esta canção para a RTP, no ano da Rita Guerra (n.r. 2003). Estupidamente, enviei um tema latino porque era o que tinha feito e não ia fazer outro especialmente para a Rita. Depois, peguei nesse tema e, no ano seguinte, resolvi concorrer noutro país. Achava que se eles não a tinham escolhido num ano, não a iam escolher no ano seguinte. Pesquisei na internet sobre países que tinham concurso aberto a estrangeiros e pus-me a pensar quais os mais pequenos onde teria mais hipóteses. Combinando tudo isso, apareceu a Lituânia. Só que, como não conhecia cantor nenhum, mandei o tema para o chefe de delegação e disse que gostava que fosse a Aistė a cantar a canção, porque achava que ela tinha boa voz e boa imagem. Ele passou-me o contacto dela, que aceitou cantar a música. Era um processo de selecção muito longo e demorado e só lá fui na gala final. Tudo foi feito à distância. Ela dizia-me o que ia fazendo e eu dava-lhe conselhos. Não vencemos, mas ainda ganhamos um prémio.


No mesmo ano, escreve a versão portuguesa da música letã, "Dziesma Par Laimi" para o Festival da Eurovisão. Como encarou este convite?
No festival da Lituânia, como autores estrangeiros, estava lá eu, que era português, gregos, um cipriota e gente da Letónia e Estónia. Quem lá estava da Letónia ficou com a ideia que lá andava um português e, após o regresso a Portugal recebi um e-mail do baterista da canção, Guntars Račs, a perguntar se eu podia fazer uma versão em português, uma vez que eles estavam a tentar bater o recorde do Guiness, para ter a música num maior número de línguas possível. Quando recebi o convite, primeiro fiquei espantado pois pensei que ninguém tivesse prestado atenção ao festival da Lituânia, e depois senti-me muito honrado com a proposta. Foi a primeira canção que escrevi em português, todas as anteriores tinham sido escritas em inglês.

Em 2005, volta a tentar participar na Lituânia. Com a música "Back In The Game", na voz de Rasa Kaušiute, não alcança a vitória mas ganha o prémio de melhor canção. Foi suficiente esta recompensa?
Foi uma canção engraçada e a recompensa foi suficiente porque nesse ano não esperava mesmo ganhar. Fui só para participar e fiquei contente por ter passado à final, pois na semi-final defrontamos artistas muito populares no país. Foi mesmo para nos divertirmos e para ver se conseguia ser seleccionados outra vez... e consegui! Por isso, o prémio de melhor música foi mais que suficiente.

Com estas participações em vários festivais sentiu que a entrada no mundo da música estava consumada?
Não! O mundo da música está completamente separado de festivais e concursos. Faço música em dois aspectos diferentes. Por um lado, estudo teoria musical, piano e composição e posso escrever canções para pessoas que realmente querem fazer canções. Por outro lado, é o vício da Eurovisão e dos festivais porque se ouvirmos as canções, hoje em dia, na rádio, não tem nada a ver com o que se passa na Eurovisão. Não é culpa das canções que passam na rádio. É culpa da Eurovisão. No entanto, com a minha participação no Festival da Canção, em 2008, é que comecei a ver as coisas mais como um negócio.

Como surgiu a oportunidade de colaborar com Andrej Babić, que anteriormente já tinha participado na Eurovisão? Quais os primeiros frutos desta colaboração?
Foi em 2006 que conheci o Andrej através da Saša Lendero, que tinha cantado, em 2005, alguns temas que ele fez para a final nacional eslovena. Como tinha ouvido as músicas dele, da Eurovisão, achava alguma piada ao estilo mas não propriamente ao conteúdo ou à estrutura musical que era um bocadinho diferente daquilo que eu privilegio. Como gostei do "Mandoline", que tinha um toque étnico e muito engraçado, enviei um e-mail de parabéns à Saša Lendero, dizendo também que escrevia algumas canções e perguntando se  podia dar-me o contacto do Andrej. Contactei-o, disse que gostava muito do trabalho dele, ele leu algumas letras minhas, eu ouvi canções dele e fomos rabiscando algumas coisas em conjunto. Em 2007, fui passar o Verão à Croácia e foi aí que começamos a fazer "Senhora do Mar". Mas, ainda em 2006, fizemos uma canção em conjunto, para Andorra e concorremos em 2007, com essa canção que ficou em segundo lugar na selecção interna. A música foi cantada pela Isthar, que é parte do duo Bis-A-Bis. Este foi o primeiro trabalho com o Andrej, à distância. Eu com a letra e ele com a melodia.

Trabalhou também com Alenka Gotar...
Em 2005, fui à Casa da Música ver um concerto de um grupo de ópera que misturava ópera com pop. Queria fazer uma canção dessas para Portugal e sugeri ao Andrej fazer uma canção étnica para uma cantora lírica. Ele fez a melodia e a letra do "Cvet Z Juga" e apresentou-me. Achei que aquilo estava muito bom e dei uma pequena ajuda na parte da produção musical e nos arranjos, com o Aleksandar Valenčić. Depois fiz a letra em espanhol que iria para o single e serviria para entrar no mercado ibérico e sul-americano mas a Alenka nunca a chegou a gravar. Em 2008, sugerimo-la como cantora para San Marino. Actualmente, continuo a trabalhar com ela para festivais e é provável que apareça com ela na Eurovisão, pois ela ficou viciada nesse mundo. E também porque ainda se sente injustiçada pelo 15º lugar...

Como surgiu o convite da RTP, em 2008, para participar no Festival da Canção?
Fiz-me de convidado! Já em 2007 tinha feito o mesmo... Enviei canções minhas e tinha dito: “Podem convidar-me. Eu estou aqui, e faço canções”. Em 2008, acho que, vencidos pelo cansaço e, se calhar, perante a desistência de outro, foram-me buscar a mim e aos Carluz Belo, para sermos as caras novas do Festival da Canção. Esse era o nosso papel: sermos as caras novas. Não era suposto sermos mais do que isso! Era só dar um ar de juízo, mais nada... Quando me convidaram, em Janeiro de 2008, a canção já estava mais que feita e só me faltava arranjar cantora.

Foi um sonho tornado realidade?
Foi, mas o Festival da Canção foi um pouco estranho. Participar em países estrangeiros é diferente de participar no nosso. Em 2004 e 2005, na Lituânia, foi bom ter estado lá mas foi completamente diferente de estar no meu próprio país. Aqui é diferente, porque quando eu dizia a alguém que já tinha ido ao festival da canção da Lituânia, as pessoas não percebiam o que era aquilo ou achavam que era o festival da Eurovisão que tinha sido realizado lá. Portanto, nesse sentido, foi um sonho porque finalmente as pessoas à minha volta, a família e os amigos, puderam ver que eu faço canções e que fazer canções para o festival, não era só para outros países. Isso sim, foi um sonho tornado realidade.

Quando viu Vânia Fernandes cantar "Senhora do Mar" para o povo português, achou possível ganhar o Festival da Canção?
Passando por arrogante, só tive dúvidas em ganhar o Festival da Canção 2008 até ver os ensaios, pois quando os vi achei que estava ganho. Havia mais duas ou três canções de qualidade e o resto ficava um pouquinho ao lado. Isto no sentido de faltar uma melhor produção. Até ao Festival da Canção, nem sequer tínhamos pensado nas outras canções. Queríamos era não passar vergonha e a minha tarefa era não ficar em último lugar. Tudo o que viesse para acréscimo era bom.

A participação na Eurovisão trouxe alguns momentos menos bons. Quais os principais obstáculos com que se debateu?
A única tarefa da RTP, antes da semi-final, era solicitar à EBU imagens nos LED's, iluminação, microfones e alguns elementos de palco. Quando lá chegamos, por falha de alguém, os nossos LED's pareciam o fundo de um aquário. Esse foi o primeiro obstáculo, ainda antes da semi-final. Depois, a RTP nunca tinha usado a máquina de vento e não sabia o que havia de fazer para a usar... Tive, então, que ser eu, que estava também na mesa do som a fazer o balance entre as vozes do coro e da Vânia, assim como com o instrumental, a ir ao responsável pela máquina de vento para lhe dizer quando tinha de a ligar e desligar. Outro obstáculo, era a falta de colaboração da RTP. Da semi-final para a final, não aconteceram grandes percalços pois as coisas na semi-final correram francamente bem. Juntaram-se uma série de factores que não podíamos pedir melhor que aquilo: cantar em último lugar, a máquina de vento a funcionar bem e até os vinte segundos de recap que foram escolhidos por nós.

Mas ocorreu uma falha no microfone de um dos elementos do coro, o Jonas.
Falhou na final mas não foi conspiração de microfones! Quem usa essas desculpas é porque é mau perdedor. Aqui, o microfone falhou em todas as actuações onde foi usado porque avariou. O mesmo microfone esteve num bailarino da Ucrânia, nos coros de Chipre, entre outros... Foi um erro que atingiu muitas canções e não foi por isso que a Ucrânia não ficou em segundo.

Depois da passagem para a final e do apoio que surgiu por vários pontos da Europa para que chegasse a vitória, acreditou que fosse possível alcançar a vitória?
Acreditar não acreditava. O meu objectivo era ficar nos quinze primeiros. Isto porque estes são actualmente o antigo Top 10. Não achava que conseguíssemos ganhar. Tanto é que, quando faltava apenas um envelope para saber quem passava para a final, e eu parti do pressuposto que fosse a Bielorrússia, disse à Vânia: “Já foi bom termos chegado aqui. E deixa lá, já ganhaste”... Até àquele momento, acreditava que passávamos a semi-final mas quando vi os envelopes a serem abertos percebi que tinha ido tudo para o outro lado. Para ganhar, achei que não iríamos ganhar, no entanto, pela primeira vez, havia um plano para o caso de ganharmos. Nesse caso, a actuação, no reprise, iria ser diferente, pois iríamos cantar a segunda parte em sérvio.

Enquanto produtor musical, que benefícios o Festival Eurovisão da Cançãi 2008 lhe trouxe?
Trouxe-me contactos muito bons. Alguns dos quais estou agora a trabalhar com eles. Veio alargar a minha rede de conhecimentos, para poder trabalhar com ainda mais gente. Aqui em Portugal, foi muito positivo porque estou a fazer canções para alguns cantores que se dirigiram a mim. Estou também a fazer canções para um grupo para quem já escrevia antes da Eurovisão e para os Donna Maria. A participação na Eurovisão permitiu-me ver a música não só como um hobbie mas como uma forma de vida. Cada vez sou menos psicólogo e mais escritor de canções. Escrevo canções só porque sim. Envio para o festival se foi seleccionada, óptimo; se não foi, tem outra solução e vai para o álbum de um cantor ou outra coisa qualquer.

O ano de 2009 foi um ano de pausa ou tentou participar em alguma final nacional para a Eurovisão?
Produzi, para a final eslovena, a música do Andrej Babić mas agora, a produção dos Quartissimo fica a cargo da televisão eslovena. Concorri também na Hungria, para uma cantora chamada Tamara, que é sérvia, mas participou no Ídolos húngaro. A música foi pedida pelos produtores dela ao Andrej e eu fiz a letra, em inglês. Não foi seleccionada e o feedback que tivemos é que não iriam seleccionar para a Eurovisão nada relacionado com folclore húngaro. Participamos ainda na Irlanda e a música foi a primeira de reserva. Agora, a música vai sair no álbum da cantora.

Para além da música, opta por manter activo o seu trabalho de psicólogo...
Comecei a trabalhar logo a seguir ao fim curso, dentro do estágio, em consulta psicológica de crianças, e vou ficando porque gosto muito do trabalho que eu tenho e porque não é fácil passarmos o caso para outros colegas, uma vez qu as crianças também não o aceitam. Além disso, há momentos em que digo que não aceito mais ninguém mas acabo por aceitar um amigo de um miúdo que eu já atendi. Praticamente não deixo o trabalho em psicologia porque também dou aulas de psicologia e porque gosto de manter algum exercício mental.

Estará aberto a participar numa futura edição do Festival da Canção?
Com certeza! Da última vez que fui lá ganhei, gostei muito e espero que no próximo ano me chamem para participar. Gostei também de ter estado na Eurovisão e podem contar comigo, desde que haja também incentivo aos autores.

Continuará a participar por outros países?
Sim pois serve também de treino, e ainda tenho de ganhar na Lituânia. Só fico sossegado no dia em que lá ganhar.
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